Terapia de Substituição em Heroinómanos

A Heroína...

A heroína ou diacetilmorfina é uma droga opióide, produzida a partir do ópio, extraído das cápsulas do fruto de Papaver somniferum.

O nome Heroína foi o nome comercial com que foi registada pela farmacêutica alemã Bayer (da palavra alemã "heroisch" heróico, uma referencia à sua estimulação e analgesia). Foi usada enquanto fármaco de 1898 até 1910, ironicamente (uma vez que é muito mais aditiva) como substituto não causador de dependência para a morfina e antitússico para crianças. O seu nome comercial foi cedido pela Alemanha aos Aliados em 1918 como reparação devido à primeira guerra mundial. A heroína foi proibida nos países ocidentais no início do século XX devido aos comportamentos violentos que estimulava nos seus consumidores.
A heroína é um agonista dos receptores opióides, activa todos eles, mas os seus efeitos são largamente devidos à activação do subtipo µ. É hoje utilizada como droga de abuso, e em alguns países, sob controlo muito apertado, é utilizada como analgésico em pacientes com dor crónica.
O mecanismo de prazer e bem-estar produzido pelo consumo da heroína não está completamente esclarecido, mas sabe-se que, como o das outras drogas recreativas, é devido a uma interferência nas vias dopaminérgicas (vias que utilizam o neurotransmissor dopamina) meso-límbicas e meso-corticais. As vias dopaminérgicas que relacionam o sistema límbico (região das emoções e aprendizagem) e o córtex (região dos mecanismos conscientes) são importantes na produção de prazer.
Os heroinómanos apresentam dependência física e psicológica. A dependência psicológica relaciona-se com a sensação de prazer que o seu consumo produz nos indivíduos, já a dependência física, é devida à regulação dos receptores. O heroinómano tem concentrações de opióide muito altas entre as sinapses de forma contínua. Essas concentrações são detectadas pelos neurónios, levando-os a reduzir, por feedback negativo, as concentrações de endorfinas que libertam, e a diminuir os efeitos de cada activação dos receptores (através da diminuição dos mediadores intracelulares por eles libertados, ou pela maior inibição por outros neurónios). O indivíduo fica então totalmente dependente das altas concentrações de opióides externas, porque os seus neurónios já quase não produzem opióides fisiológicos, e os receptores estão insensibilizados. São necessárias concentrações cada vez maiores para os mesmos efeitos, e até para a pessoa se sentir normal, o que se designa por tolerância.

Efeitos imediatos:

  • Euforia e disforia
  • Analgesia
  • Sonolência, sem amnésia
  • Disfunção sexual em altos graus
  • Sensação de tranquilidade
  • Maior autoconfiança e indiferença aos outros: comportamentos agressivos
  • Miose: contracção da pupila. Ao contrário da grande maioria das outras drogas de abuso, como cocaína e anfetaminas (metanfetamina e ecstasy) que produzem midríase (dilatação da pupila). É uma característica importante na distinção clínica da overdose de heroína daquelas produzidas por outras drogas
  • Obstipação ("prisão de ventre") e vómitos. Só são sentidos na primeira semana de consumo continuado, depois o corpo habitua-se
  • Depressão do centro neuronal respiratório. É a principal causa de morte por overdose
  • Supressão do reflexo da tosse: devido à depressão do centro neuronal cerebral da tosse
  • Náuseas e vómitos: podem ocorrer se forem activados os centros quimiorreceptores do cérebro
  • Espasmos nas vias biliares
  • Hipotensão, prurido
  • Perda do controle humorístico, ou seja, o famoso humor bipolar

O Síndrome de abstinência caracteriza-se pelas seguintes manifestações: tremores, erecção dos pêlos, priapismo (erecção do pénis continuada e dolorosa com danos no órgão), suores abundantes, lacrimejo, rinorreia, respiração rápida, temperatura elevada, ansiedade, anorexia, dores musculares, hostilidade, vómitos e diarreia. Há hipertensão arterial com risco de cegueira, enfartes, paralisia ou ataques epilépticos.
A injecção é preferida no abuso recreativo, devido ao efeito de prazer súbito intenso (denominado "orgasmo abdominal"). A inalação tem vindo a ganhar terreno, numa modalidade denominada "chasing the dragon", com origens orientais.
Também pode ser ingerida, absorvida pela pele ou fumada. O consumo com cocaína ("speedballs" ou "moonrocks") tem vindo a generalizar-se.
A heroína é mais lipofílica do que os outros opióides, e que conduz à sua absorção muito mais rápida para o cérebro. A rapidez de efeito é importante para os toxicodependentes, porque proporciona maiores concentrações inicialmente, traduzindo-se em prazer intenso após a injecção. No cérebro ela é imediatamente convertida em morfina por enzimas celulares.

A metadona...

A metadona é um agonista opióide do receptor µ, pelo que substitui a heroína, que deve a maior parte dos seus efeitos à activação destes receptores, privando os indivíduos dos efeitos adversos decorrentes da abstinência a esta droga de abuso. Em comparação à heroína é bem absorvida oralmente e de forma lenta e tem uma duração de acção muito superior evitando os ciclos rápidos de intoxicação/quadro de abstinência associados à dependência de heroína. A metadona não tem os efeitos euforizantes da heroína. Como tal, não produz os mesmos efeitos psicológicos e exige uma única dose diária, pelo que é compatível com uma vida activa, estável e organizada. No entanto, como o efeito não é tão imediato como o da heroína, vários indivíduos tendem a utilizar outras drogas em simultâneo, como o álcool, o que pode conduzir à morte.

O tratamento com metadona objectiva:

  • Melhorar a saúde dos utilizadores de opiáceos providenciando drogas "limpas" em doses adequadas sob supervisão profissional.
  • Reduzir os crimes relacionados com drogas de forma livre e legal reduzindo a sua necessidade de roubar para financiar as compras de heroína ilícitas.
  • Melhorar a situação social dos utilizadores de drogas.
  • Persuadir os utilizadores de drogas a reduzir a sua dose diária e encaminhar-se gradualmente à abstinência.

No entanto, há um objectivo que estes tratamentos por substituição não conseguem atingir: o do efeito psicológico da rebeldia, do risco, da adrenalina associada ao consumo ilícito de drogas.

REAÇÕES ADVERSAS

Retirada de Heroína

Durante a fase de indução do tratamento de manutenção com metadona, os pacientes estão a deixar de tomar heroína e podem portanto, apresentam sintomas típicos de retirada, que devem ser diferenciados dos efeitos colaterais induzidos pela metadona.
Os pacientes podem apresentar alguns ou todos dos seguintes sinais e sintomas associados à abstinência aguda de heroína ou outros opiáceos: lacrimejo, rinorreia, espirros, bocejos, transpiração excessiva, febre, calafrios alternados com rubor, agitação, irritabilidade, fraqueza, ansiedade, depressão, pupilas dilatadas, tremores, taquicardia, cólicas abdominais, dores no corpo, espasmos involuntários, anorexia, náuseas, vómitos, diarreia, espasmos intestinais, perda de peso.

Administração Inicial

A dose de metadona inicial deve ser cuidadosamente calculada para o indivíduo. Os maiores riscos da metadona são a depressão respiratória e, em menor grau, a hipotensão arterial sistémica.
Pode ocorrer paragem respiratória, choque, paragem cardíaca e morte.
As reacções adversas observadas mais frequentes incluem: tontura, vertigem, sedação, náuseas, vómitos e transpiração. Estes efeitos parecem ser mais proeminentes em pacientes ambulatórios e naqueles que não estão sofrendo de dor severa. Nesses indivíduos são aconselháveis doses mais baixas.

Manutenção de uma dose estabilizada

Durante a administração prolongada de metadona, como no programa de tratamento de manutenção com metadona, geralmente há um gradual, mas progressivo desaparecimento dos efeitos colaterais durante um período de várias semanas. No entanto, a obstipação e a transpiração frequentemente persistem.


A resposta à Metadona é amplamente variável, quer em termos de eficácia, quer em termos de toxicidade. De indivíduo para indivíduo, a dose e o número de tomas diárias devem ser ajustadas. No entanto, na maioria dos indivíduos é suficiente uma toma diária. São vários os factores que afectam a resposta à metadona, tal como se encontra na tabela abaixo apresentada.


Adaptado de Leavitt, S. PhD, AT Forum Editor; Methadone dosing & safety in the treatment of opioid addiction; Addiction Treatment Forum, 2004

A Metadona está associada a tolerância e dependência, tal como qualquer opióide, bem como síndrome de abstinência. A tolerância é menor do que a observada para outros opióides, o que se pensa dever-se ao antagonismo do receptor NMDA do glutamato, embora o mecanismo não seja para já completamente claro. O bloqueio deste mesmo receptor é provavelmente o responsável pela diminuição do desejo por opióides que a metadona proporciona. Note-se que aquando da diminuição das tomas de metadona até a total abstinência, como se trata de um opióide de acção prolongada, produz sintomas que são menos severos do que os da heroína mas que são mais prolongados no tempo (e que levam muitas vezes a recaídas, não pela intensidade da dor, mas pela sua duração). A Metadona pode igualmente ser utilizada como droga de abuso.
Numa situação de overdose com Metadona, tal como numa overdose de heroína, administra-se antagonistas dos receptores opióides, como a Naltrexona.
A tabela seguinte sumariza os efeitos adversos decorrentes de um excesso de metadona, a situação normal induzida pela terapia de substituição em heroinómanos, bem como os sintomas decorrentes da síndrome de abstinência:

Existem várias fases no tratamento de substituição hormonal com metadona, cujos objectivos estão indicados na seguinte tabela.

Adaptado de Leavitt, S. PhD, AT Forum Editor; Methadone dosing & safety in the treatment of opioid addiction; Addiction Treatment Forum, 2004

As recomendações para as dosagens no início do tratamento dependem de país para país.

Adaptado de Leavitt, S. PhD, AT Forum Editor; Methadone dosing & safety in the treatment of opioid addiction; Addiction Treatment Forum, 2004

Outro tratamento por substituição que tem sido utilizado envolve a Buprenorfina que é um agonista parcial opióide. Esta sua natureza faz com que os sintomas do quadro de abstinência sejam menores do que os dos verdadeiros agonistas como a metadona, e provoca também uma menor dependência física. Como resultado, a sua utilização é mais segura e traz menos riscos de abuso do que a metadona sendo, no entanto, eficaz no bloqueio da euforia e do síndrome de abstinência produzidos por outros opióides.

Bibliografia: